Instituto Pensar - Impactos da Indústria 4.0 no mundo do Trabalho

Impactos da Indústria 4.0 no mundo do Trabalho

Fotos:Joel Ribeiro

As consequências da Indústria 4.0 podem ser devastadoras para a classe trabalhadora. Essa é a análise do sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante audiência pública realizada na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), da Câmara dos Deputados, que abordou os impactos sociais e no mundo do trabalho da Quarta Revolução Industrial em curso.

O evento ocorreu na tarde do dia 10 de setembro e contou também com a participação do supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Max Leno de Almeida, e com a presença de representantes de mais de 30 entidades e movimentos sociais e parlamentares. O diretor do site Socialismo Criativo, Domingos Leonelli, acompanhou o debate. 

O deputado Carlos Vera, autor do pedido de realização da audiência pública, informou que como encaminhamento do debate será criada uma subcomissão na CTASP para analisar com mais profundidade esse tema que afeta a vida de milhões de trabalhadoras e trabalhadores.

"O avanço tecnológico deveria servir para reduzir a jornada de trabalho e, assim, permitir que a classe trabalhadora tivesse mais tempo para a família, cuidar da saúde, lazer, mas é ao contrário, é para tomar o posto de trabalho. É um debate que a Câmara precisa fazer, por isso, trouxemos o tema.”
Deputado Federal Carlos Veras

Para o professor Ricardo Antunes, o tema do encontro, também chamado por ele de "capitalismo de plataforma” ou trabalho digital, é extremamente complexo e cada vez mais central no mundo produtivo. Por isso, ele chama a atenção para a necessidade de compreender melhor como as plataformas digitais participam direta ou indiretamente no processo de trabalho. Ele apresentou exemplos que configuram o mundo do trabalho hoje para explicar as ideias centrais da Indústria 4.0.

A exposição do sociólogo do trabalho foi baseada nos resultados das pesquisas das quais ele participa na Unicamp. As ideias estão nos livros "Os Privilégios da Servidão – o novo proletariado de serviços na era digital” (Ed. Boitempo, 2018) e "Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil IV” (Ed. Boitempo, 2019). Um dos exemplos contido nas obras é o da Amazon. Há 10 anos, não tinha relevância no mercado e hoje é uma gigante global que combina atividade digital com formas intensas de trabalho manual.

"Depoimentos de trabalhadores do EUA demonstram que caminhar 24 km ou 25 km ao longo do dia para buscar nas prateleiras produtos a serem enviados em tempo veloz aos consumidores é prática sistemática. Embalar 120 a 200 produtos por hora, trabalhar 55 horas por semana e até 10 horas por dia em períodos de vendas intensas, como no período natalino.”
Ricardo Antunes

Antunes destacou que a Amazon se configura como uma imensa plataforma global onde os mais diferentes tipos de trabalho podem ser contratados. Uma empresa que promete entrega rápida a um preço invisível para o público consumidor: a segurança dos trabalhadores e trabalhadoras. Uma investigação da ProPublica, agência independente de jornalismo investigativo dos EUA, identificou mais de 60 acidentes desde junho de 2015 envolvendo entregadores terceirizados da plataforma que resultaram em ferimentos graves, incluindo 10 mortes. Essa contagem é provavelmente uma fração dos acidentes que ocorreram: muitas pessoas não processam e nem sempre sabem quando a Amazon está envolvida segundo mostrou registros judiciais, relatórios policiais e notícias.

Outro exemplo apresentado pelo professor foi o caso do zero hour contract (contrato de zero hora), no Reino Unido. A modalidade de trabalho com enorme crescimento global e que se estrutura a partir da incorporação de um amplo contingente de trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas atividades que ficam à disposição de uma plataforma.

"Essas pessoas esperam por uma chamada e, quando a recebem, ganham estritamente pelo que fizeram, nada recebendo pelo tempo que ficaram a espera da solicitação. Se eu fico 2 dias esperando uma chamada e não vem chamada nenhuma, eu sou um escravo à disposição do meu senhor, que é o equipamento digital.”
Ricardo Antunes

A modalidade de contratação zero hora engloba um leque imenso de trabalhadores e trabalhadoras ーmédicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, cuidadores e cuidadoras, motoristas, eletricistas, advogados e advogadas, serviços de limpeza, consertos domésticos etc. ー que oferecem serviços em modalidade intermitente de trabalho. A grande indústria do nosso tempo, afirmou, é a de serviços. 

A Uber foi um outro exemplo expressivo trazido pelo sociólogo. A plataforma foi criada nos EUA em 2009 e, em pouquíssimo tempo, se transformou em uma empresa global. Trabalhadores e trabalhadoras nos seus automóveis arcam com as despesas de seguridade, gastos de manutenção dos carros, alimentação e limpeza, enquanto a plataforma se apropria do sobretrabalho gerado pelos serviços de motoristas sem que se contemple os deveres trabalhistas vigentes nos países onde a plataforma opera. 

"O algoritmo, esse novo fetiche do mundo empresarial, passou a ditar o ritmo e o tempo do Capital. Se não bastassem a intensidade da exploração do trabalho humano praticado por Uber e outras plataformas como Cabify, Rappi, ifood onde se pode encontrar jornadas que remetem aos primórdios da Revolução Industrial: 12h, 14h, 16h até 18h por dia de trabalho.”
Ricardo Antunes

Há vários anos, comentou Antunes, a Uber vem desenvolvendo um projeto-piloto de carros autômatos, sem motorista. O projeto só não foi adiante porque em março de 2018 houve a morte de uma mulher transeunte por um desses automóveis. No mundo onde a informação é uma mercadoria que vale ouro,  Uber detém informações sobre todo o sistema mundial de transporte das grandes e pequenas cidades do mundo. Pode até estar dando prejuízo hoje, mas amanhã será a empresa transportadora do mundo e ditará o desenho da Indústria 4.0 no setor de transportes.

Nesse ambiente, observou o sociólogo do trabalho, cria-se uma disponibilidade enorme para o trabalho, possibilitada pela expansão da modalidade digital por meio de aplicativos e plataformas. A força de trabalho global, entretanto, fica inviabilizada e é apresentada como prestador de serviços ou trabalho autônomo, configurando uma modalidade de trabalho que mascara o trabalho assalariado, individualizando-o e, desse modo, burlando a legislação social protetora do trabalho. 

O professor citou dois casos relacionados ao fenômeno da Indústria 4.0. A Califórnia (EUA) discute o cerceamento e a regulamentação desse tipo de trabalho. Aqui no Brasil, a morte do entregador do aplicativo Rappi, Thiago de Jesus Dias, em julho deste ano, trouxe à tona a insegurança desses trabalhadores e trabalhadoras. 

"Trabalhadoras e trabalhadores então nesse sistema se transformam em empreendedores e empreendedoras, uma espécie de burguês de si próprio. É um trabalho individualizado, concebendo o seu modo de vida como uma forma de empresariamento. O novo sonho do capital global é criar um enorme contingente de trabalhadores e trabalhadoras com ideária de subjetividade empresarial, gerencial.”
Ricardo Antunes

Antunes chamou a atenção para a disponibilidade diária total para o trabalho. O mundo digital, comentou, nos conecta 24 horas por dia. Daí afloram novas profissões, como a de coach, uma espécie de consolador espiritual para tentar recuperar a autoestima daqueles que foram corroídos pelos engenhosos mecanismos do capital. 

Indústria 4.0

O sociólogo do trabalho comentou que a denominação e a propositura de Indústria 4.0 surgiu em 2011 na Alemanha, campeã da economia europeia, como resposta ao cenário de disputa sino-norte-americana. Foi concebida para gerar um novo salto tecnológico no mundo produtivo a partir do crescimento exponencial das novas tecnologias de informação e comunicação. Essa transformação célere intensificará os processos produtivos automatizados em toda a cadeia produtiva geradora de valor: indústria, serviços, agricultura, agroindústria. Dessa forma, a produção e a logística empresarial serão controladas e comandadas digitalmente em todos os espaços onde for possível e economicamente vantajoso para o capital. Para o mundo do trabalho, a principal consequência será a ampliação do trabalho morto com maquinário e digital. Afinal, destacou, a Indústria 4.0 se funda na internet das coisas, na inteligência artificial, na impressão 3D e no Big Data.

"A questão aqui é quem comanda os algoritmos? A tecnologia não tem vida própria. Nesse mundo informacional e digital, o que vamos fazer com esse amplo contingente de trabalhadores e trabalhadoras supérfulos e sobrantes que serão substituídos pela inteligência artificial e que hoje não têm seguridade social, não têm empregos e nenhuma perspectiva de futuro?”
Ricardo Antunes

Antunes concluiu que a questão mais complexa da Indústria 4.0 é que o mundo da cyber indústria do século 21 não tem como finalidade a redução do tempo de trabalho e sua conversão em tempo livre para o conjunto da classe que vive do trabalho. Ao contrário, trata-se de uma batalha férrea com o objetivo de garantir a sobrevivência das corporações vitoriosas do mundo do mercado.



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